O presidente do Comité Olímpico de Portugal receia que a polémica que houve sobre a atribuição da cidadania a Pedro Pablo Pichardo prejudique os processos de outros atletas, denunciando “uma mudança de atitude” nos serviços de naturalização.

Em entrevista à agência Lusa, José Manuel Constantino revisitou a polémica que envolveu o atual campeão olímpico do triplo salto, e Nélson Évora, ouro em Pequim’2008, e pronunciou-se sobre as mais recentes declarações de Pichardo a Record, em que este lamenta que em Portugal o atletismo não seja valorizado e em que discorre sobre o seu diferendo com o Benfica.

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“Chegados a este ponto, a minha convicção é que o Pedro Pichardo vai sair de Portugal. Não vai mudar de nacionalidade — é a minha convicção, posso estar enganado -, mas vai sair de Portugal. Provavelmente, vai procurar um clube que lhe pague bem, porque, entretanto, a relação com o Benfica, por força da relação com a coordenadora do projeto olímpico [Ana Oliveira], é a pior possível. Não se podem ver um ao outro. E, da parte do Benfica, nunca houve capacidade de ultrapassar esta situação”, notou.

Apesar de acreditar que o atual campeão olímpico do triplo salto “continuará a representar Portugal”, o presidente do COP estima que o atleta nunca perderá “uma certa mágoa, uma certa revolta, uma certa atitude de que ‘eu sou português mas há muitos que não queriam que eu fosse português'”.

«Isto arrastou um outro problema, de enorme gravidade»

Em março, Évora, em entrevista à rádio Observador, disse que Pichardo, português de origem cubana, tinha sido “comprado”, colocando em causa a rapidez no seu processo de naturalização (poucos meses), em contraponto com outros casos, como o seu.

“Isto arrastou um outro problema, de enorme gravidade. Houve, a partir desta polémica, uma mudança de atitude dos serviços de reconhecimento da naturalidade […] quanto às exigências da atribuição da cidadania portuguesa, quando aplicando o regime de excecionalidade que está previsto na lei. Não sei se é uma orientação de natureza política, se é de natureza estritamente desportiva, mas eu li alguns dos pareceres que foram emitidos quanto a atletas que aguardam a sua naturalização e é uma coisa perfeitamente risível, de ignorância completa”, alertou.

Constantino receia que a polémica que houve a propósito da questão da atribuição da cidadania a Pichardo – que só acontece, na sua opinião, porque é um atleta que ganha o ouro numa disciplina em que o país já tinha um campeão olímpico – “tenha tido esta consequência política”.

“Se isto acontecesse com um atleta de 200 metros ou com um decatlonista ou com um saltador com vara, a polémica não era a mesma. A polémica é aquilo que nós conhecemos pelas circunstâncias que a rodeiam, depois também por algum envolvimento clubístico que estas questões sempre têm, mas aquilo que me parece, e aquilo para a qual tenho a obrigação de alertar o país, é para o facto de entender que a decisão que está a ser adotada quanto à atribuição da cidadania portuguesa a pessoas com currículos desportivos extraordinários não nos está a favorecer, está a prejudicar-nos”, denunciou.

Para o máximo dirigente desportivo nacional, o poder político tem agora “uma enorme responsabilidade” e tem de explicar ao país “porque é que a atletas com currículos desportivos relevantes não lhes é atribuído aquilo que foi atribuído a outros”.

“E eu já nem digo a outros que são conhecidos, porque também foi atribuído a outros que nós nem sabemos os nomes, mas que eu conheço e que não tinham valor desportivo à dimensão e à escala daqueles casos que nós aqui acabamos de falar”, acrescentou, referindo-se concretamente a Agate de Sousa, Roger Iribarne e Reynier Mena.

A primeira, santomense de 23 anos, tem a quarta melhor marca mundial do ano no salto em comprimento, enquanto os cubanos Iribarne e Mena alcançaram, respetivamente, “a quinta melhor marca europeia” nos 110 metros barreiras este ano e “a terceira melhor marca mundial” nos 200 metros em 2022.

“Considerar que estas notas curriculares não são suficientes para a atribuição da disposição que permite excluir os cinco anos [no processo de naturalização]…. Ou, dito de outra maneira, esperar cinco anos para que estes atletas possam vir a representar Portugal é uma decisão que, do bom ponto de vista, carece de fundamentação”, defendeu.

Segundo o presidente do COP, ou o poder político aceita este entendimento das estruturas administrativas, na sua opinião “ignorantes nesta matéria”, uma vez que quem teria de dar parecer seria o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) — entidade que poderá avaliar se os atletas têm ou não valor desportivo -, ou “mexe neste assunto”.

“Tenho a perceção – não tenho nenhum dado fundamentado -, que há um certo receio de mexer neste assunto, sob pena de serem acusados de estarem a fazer naturalizações por razões oportunistas e estritamente desportivas”, evidenciou.

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