Gurbanov, uma lenda azeri, técnico do Qarabag há 16 anos, fez do clube campeão por oito vezes e promoveu o acesso à Champions, em 2017/18, defrontando Chelsea, Roma e Atlético Madrid.
Gurban Gurbanov já tinha sido um nome sonante do futebol azeri como jogador, mas, como técnico do Qarabag, subiu a fasquia em longevidade e resultados. Um total de 524 jogos, oito títulos nacionais e uma presença na Champions representam façanhas praticamente impossíveis de superar. Além do mais, é conhecido por ter instituído uma versão do tiki-taka culé no futebol azeri.
É contra esta equipa que tem sabido transcender-se muitas vezes na Europa que o Braga vai medir forças, tendo Artur Jorge que procurar antídoto para o veneno e fantasia do Qarabag, capaz de hipnotizar com a melancolia do Mugham (música tradicional do Azerbaijão) ou fabricar um samba com recurso ao leque de estrelas brasileiras, algumas bem conhecidas de Portugal. Com a missão Braga a acercar-se, Gurbanov falou com O JOGO.
“Portugal é uma máquina a produzir talento, a lançar jogadores. Já tem um lugar marcante no futebol europeu; quase todas as grandes equipas da Europa têm portugueses como estrelas. Quando falamos dos países que dominam, Portugal está lá. Admiro isso, e qualquer equipa portuguesa na Europa vai ser perigosa. São muito sérios e conquistam títulos”, invoca.
“Sobre o Braga, sei que cresceram muito nos últimos anos. Apresentam um futebol rápido, vistoso e atrativo; são tecnicamente muito bons. Não tenho dúvidas de que vamos ter dois jogos espetaculares para os adeptos. Vamos ter uma grande experiência ao defrontá-los, porque vai ajudar-nos a crescer, é um rival que me honra encontrar”, declarou, enaltecendo o prestígio em jogo.
“É a primeira vez na nossa história um play-off da Liga Europa. Estar nesta fase é fantástico, oferece-nos experiência. Sentimos grande responsabilidade por esses jogos e estamos muito animados, porque o Braga demonstra futebol muito atrativo, encaixa no que eu gosto, e conta com jogadores que podem mudar um encontro. Vamos tentar aproveitar a ocasião para honrar o futebol azeri, tudo pode acontecer e confio na minha equipa e nos meus jogadores”, atestou Gurbanov, que tem por hábito recrutar em Portugal, tendo, neste plantel, jogadores como Matheus Silva, Richard, Patrick Andrade, Júlio Romão e Juninho Vieira, todos com passado na nossa liga.
“Sabem jogar à bola, senti-la. Tecnicamente são bons. Tive sempre brasileiros no Qarabag e a esmagadora percentagem deles jogaram em Portugal. É uma ótima adaptação à mentalidade europeia. Ao contratar estes jogadores, respeito a cultura deles e peço que haja um esforço mútuo, que percebam o povo e o país. Quase sempre encontrei uma linguagem comum, sem dificuldades, deixando qualquer jogador confortável”, frisou o grande goleador azeri, com 14 golos em 68 jogos pela seleção.
Recua ao início de uma nova vida, a partir do Qarabag. “O clube, em 2008, era muito diferente do que temos hoje. Tive a sorte de ficar muito tempo, de ter uma ótima relação e entendimento com os diretores. Fiz um plano para o futuro, e ano após ano temos melhorado. Para um treinador ter sucesso é muito difícil, posso falar muitas coisas, pedir outras, pensar em muito, mas os jogadores é que realizam o trabalho e a tua visão depende deles no campo”, explana, descrevendo a filosofia de jogo rapidamente instituída.
“O tiki-taka foi um sistema importante para procurar estabilidade de resultados e tive a sorte de descobrir bons jogadores para o interpretar. Se queres jogar bem é com passes. Sem uma equipa boa no passe é difícil concretizar objetivos e demonstrar o jogo que queres. As coisas evoluíram e são diferentes hoje. Já não somos 100 por cento tiki-taka, houve adaptações ao futebol moderno. O tiki-taka foi a mensagem para chegar ao sucesso, mas deixou de ser a matriz, porque também temos de pensar em como ferir o rival”, sustenta.
“Não me parece que tenha feito o suficiente pelo clube e pelo país”
De grande figura como jogador a treinador mais destacado do país. “Como atleta, trabalhei muito, sempre quis crescer; o perfil de treinador é o mesmo, com uma visão maior e mais aberta. Nunca estou satisfeito e tento sempre pensar na forma de ser mais útil ao meu clube e ao meu país. Não me parece que tenha feito o suficiente”, justifica, modesto, apesar de oito campeonatos já conquistados pelo Qarabag. “A nossa qualidade e tradição futebolística é muito inferior a Portugal, mas, dentro do nosso contexto, os resultados são bons”.
De uma cidade em ruínas ao sucesso europeu
Desviado para Baku desde 1993 pelos conflitos territoriais entre Azerbaijão e Arménia, Qarabag é clube estimado em todo o país por representar região que só goza desocupação desde o passado 1 janeiro.
Afastado do seu berço caucasiano em Aghdam, antiga região de Nagorno-Karabakh, precisamente dissolvida a 1 de janeiro deste ano, após o sucesso de ofensivas azeris sobre os separatistas arménios iniciadas em 2020 que levaram a negociações e formal desfecho recente, o Qarabag é um clube atípico, construindo sucesso longe de casa, na capital Baku, onde granjeia admirável respeito pela sua história desportiva e por remeter para uma luta terrível que se seguiu ao fim do império soviético, fazendo da região um património especial, agora resgatado, de valor incalculável pela natureza patriótica e sofrimento lá instalado durante três décadas.
Gurbanov também não se esconde neste assunto. “É um nome com um significado fortíssimo para o nosso povo, foram 30 anos de ocupação. Acabámos de conseguir recuperar o território que compreende a grande região de Karabakh. Foi uma grande vitória, da qual muito me orgulho. Ficar todo este tempo no clube também resulta desta luta, dar visibilidade ao que queríamos, algo que foi conseguido com 10 presenças nas competições europeias, muitas idas à Liga Europa, uma passagem pela fase de grupos da Champions. Os rivais e a Europa interessam-se pela nossa história a cada jogo importante”, informa, marcando a sua posição, nada permeável a sabores do mercado.
“Tenho tido várias ofertas, mas permaneço fiel, pelo valor extra que dou a este trabalho. Aqui, tenho obrigação de dar algo mais de mim e acredito que tomei as decisões certas sempre que renunciei a outros convites”, afirma Gurbanov, analisando o sentimento das pessoas em Baku pela equipa.
“Somos muito apoiados e estamos felizes com eles. Não temos muito público nos jogos da liga, mas quando fazemos qualquer partida na Europa o estádio enche, com adeptos de outras equipas, havendo muito povo oriundo de Karabakh espalhado por Baku e seus arredores. O povo azeri valoriza o nosso nome”, atesta. “Agradeço o apoio, têm sido fundamentais. Ainda é difícil falar de um regresso a Karabakh, o território só foi agora recuperado e tem poucas condições; há cidades, como Aghdam, que ficaram em ruínas. São precisos muitos alicerces muitas construções, novas cidades nascerão. Ainda temos um caminho longo, a guerra deixou um rasto de destruição”, lamenta.
Curiosidades
Champions, a nata e o futebol autêntico
O técnico do Qarabag está certo do impacto de uma Champions jogada pelo clube e por tudo o que envolveu. “A Champions foi esse mundo à parte para nós, um sonho concretizado. Parecia impossível pelas condições e pela nossa realidade. Foi um orgulho, sentimos esse futebol autêntico, a nata europeia. Faltou-nos experiência para fazer mais”, confessa.
Rivais ajudam no crescimento
Gurbanov valoriza a oposição interna. “O Qarabag cimentou esse caminho, fez grandes coisas na Europa, tem contribuído para uma representação fantástica do nosso país e esperamos que outros o possam conseguir. Não quero separar o Qarabag da globalidade do futebol azeri. Há outros clubes que nos ajudam, sendo competitivos no campeonato. Obrigam-nos a jogar com mais energia e vontade, isso tem-nos fortalecido”.
Elvar, um azeri com domínio português
Gurbanov é auxiliado na comunicação com os atletas por um azeri, de seu nome Elvar, que se especializou a dominar o idioma de Camões internamente, face à chegada de vários brasileiros. Gurbanov está habituado a aprender umas palavras em português por ação dos craques canarinhos e de Elvar, já praticamente irrepreensível, como nos foi possível testemunhar.
Erros arbitrais levam equipa ao palácio
Gurvan Gurbanov destaca o tratamento de Estado recebido pelo Qarabag em ocasiões especiais, envolvendo tributos palacianos em momentos difíceis. “Fico contente pelo reconhecimento do trabalho, o presidente do país convidou-nos várias vezes a visitar o palácio, sobretudo quando fomos derrotados na Europa, por culpa de decisões injustas dos árbitros. Sempre nos destaca como ganhadores, adeptos e analistas também nos elogiam. Faço o meu trabalho com amor”.
Fonte: Jornal OJOGO